“Não estamos acostumados com repórteres políticos mentindo tanto, como acontece atualmente, ’’ afirma uma jornalista entrevistada no explosivo documentário de Thomas Huchon, Driblando a democracia: Como Trump venceu, exibido esta semana em vários horários no Canal Curta*. O autor é jornalista e documentarista que trabalha em Paris e é especialista em mídia digital e em fake news e mostra como a mentira se transformou em estratégia política na campanha que levou Donald Trump à Casa Branca.
O diretor Thomas Huchon nos bastidores do documentário ‘Driblando a Democracia: Como Trump Venceu’
E também como pode alterar o resultado de qualquer eleição, atualmente, em qualquer lugar, comprometida não mais com meros marqueteiros, que estão ficando anacrônicos, mas com brilhantes cientistas especializados em TI; em comunicação digital.
Mentiras, dissimulação e manipulação cuidadosamente planejadas e executadas são denunciadas com detalhes no filme que fala da atual ‘’democracia na escuridão’’ e nos objetivos de grupos de franca supremacia que planejaram tomar o poder nos Estados Unidos e destruí-lo com a ajuda de especialistas em fabricação de notícias falsas – as tais fake news. Primeiro, veiculadas na Internet pelo site Breibart, um instrumento de base para a escalada do atual presidente americano. Em seguida, sofisticando o esquema com a entrada, na campanha presidencial, do braço americano da empresa britânica Cambridge Analytica, com sede americana em Los Angeles.
‘’Vamos limpar a casa e chutar a bunda de muita gente, ’’ dizia e repetia Trump, (a repetição é uma das almas do negócio da manipulação de massa), nos seus comícios, de modo vulgar, misógino e racista. Era o que uma direita alternativa conservadora e isolacionista orientava-o a pregar contra, por exemplo, a fé islâmica e os imigrantes de modo a que pessoas muito preocupadas com terrorismo ouvissem-no e fossem convencidas por ele.
O teatro montado para Trump o apontava como um caubói em luta, solitário, contra o ‘’inimigo’’. O jargão ‘’contra a corrupção’’, o mesmo, em toda parte, em todos os países, pura encenação. Uma poderosa rede trabalhou ao custo de onze milhões de dólares, na retaguarda da campanha e treinando o fantoche. É o que mostram os entrevistados, no filme de Huchon. São especialistas em comunicação de massa e professores na Universidade de Stanford como o famoso Michael Kosinski.
‘’São pessoas – eleitores potenciais, os adeptos de Trump – que se informam apenas pela Internet. ‘’Dentro da rede, a mídia legítima está sendo invadida pelas notícias falsas. Em uma eleição apertada, assim como foi essa isto pode ser decisivo, “comenta um jornalista.
Uma das maiores curiosidades do documentário é o perfil traçado de Robert Mercer, de 71 anos, o homem por detrás da campanha em questão. Proprietário, inicialmente, da Renaissance Technology, é um dos mais brilhantes especialistas em ferramentas matemáticas na rede, da sua geração. Bilionário e muito reservado, iniciou-se na IBM e é o inventor da tradução automatizada, o Google Translate.
Em uma entrevista dada a um jornalista autor de um livro na época em elaboração, Mercer desabafou: seu maior desejo era o de viver uma vida inteira na qual não precisasse conversar com ninguém. Seu negócio é amar computadores. O homem evita pessoas, não sustenta o olhar de ninguém, pouco se deixa fotografar e tem idéias ‘’sólidas’’ de governo.
Um grande perigo à solta.
O presidente da Cambridge é Mercer. Sua filha, Rebekah, é a presidente da Fundação da família, a Mercer Family. Foi ela quem disse a Trump, durante um jantar de bilionários, no começo da campanha presidencial: ‘’Se você quiser ganhar esta eleição tem que mudar a sua campanha. ’’ Mudou. A partir daí, Rebekah foi diretora e responsável pelas doações ao candidato, mostra o documentário. Pelo jeito, fala e conversa por dois. Por ela mesma e pelo pai taciturno.
Depois da vitória, Rebekah indicou grande número de nomes (aceitos, é claro) para secretarias de Estado, em Washington.
Outra peça do xadrez da campanha de Trump foi o polêmico e sombrio Steve Bannon. Ele veio de produções de filmes de Hollywood e do Breibart. Foi diretor-executivo da campanha de Trump, é especialista em vazamento de notícias e fake news e chegou a conselheiro do núcleo duro da Casa Branca. Demitido no ano passado, retornou às notícias vazadas do Breibart.
Enfim, o doc de Huchon aborda o escândalo de compra de dados de milhões de perfis do Facebook pela Cambridge Analytica. Os dark posts – mensagens pessoais direcionadas ‘’exclusivamente para você!’’ que desaparecem horas depois de surgirem na tela do seu computador.
O filme fala sobre a descarada manipulação da opinião pública. As operações psicológicas com objetivo de influenciar pessoas. E prova como, nas campanhas eleitorais, hoje, a vitória não depende mais de malas diretas ou de quem recebe mais dinheiro. Nem de quem tem direito a mais tempo na TV.
O objetivo das campanhas, hoje, segundo Driblando a democracia, é dividir a população através do ódio. É a ‘’técnica’’ de Steve Bannon, a eminência parda de Mercer que por sua vez é a retaguarda de Trump nesse movimento de dividir pessoas “como nunca se vira depois da guerra civil americana. ’’
Instalado o escritório da Cambridge Analytica em São Paulo, diz-se que, acabando fechado, ano passado, ela não opera na campanha brasileira de outubro. No entanto, vários movimentos e manifestações comuns àqueles elaborados na campanha da mais recente eleição americana, obra prima com a marca Cambridge Analytica, já estão por aí, nas nossas ruas e envenenando corações e mentes.
A Analytica deve estar com muito trabalho lá fora com um dos seus principais clientes – a OTAN.