Os dirigentes do segundo maior partido da oposição turca arriscam-se a penas de prisão perpétua num julgamento político. Advogados abandonaram a sessão inicial por falta de garantias de defesa.
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"Julgamento de Kobane" começou com a polícia sentada no banco dos advogados.
        “Julgamento de Kobane” começou com a polícia sentada no banco dos advogados. Foto David Adler/Twitter

 

A repressão política contra o Partido Democrático do Povo (HDP), maioritário entre a população curda, teve esta segunda-feira mais um episódio com o início do “julgamento de Kobane”. Ele junta no banco dos réus 108 dirigentes políticos, entre os quais Selahattin Demirtas, o co-presidente do partido preso desde 2016. As acusações vão desde tentativa de homicídio e propaganda terrorista até ataque à integridade do estado e dizem respeito aos protestos da comunidade curda na Turquia em 2014, após o Estado Islâmico ter tomado a cidade curda de Kobane, a pouca distância da fronteira turca, sem que a Turquia tenha impedido o massacre. Pelo menos 37 pessoas morreram durante os protestos reprimidos pela polícia turca.

Na primeira sessão do julgamento, dezenas de advogados de defesa foram impedidos de participar e os acusados recusaram-se a responder ao juiz durante o processo de identificação sem a sua presença. Os restantes advogados decidiram abandonar a sessão em forma de protesto até que os restantes fossem autorizados a entrar.

“Puseram polícia de choque nos bancos reservados aos advogados. Os advogados não estão a ser autorizados e entrar”, denunciou a Associação de Advogados pela Liberdade. Após o intervalo, os advogados puderam reentrar na sala de audiências, mas os pedidos para que alguns dos acusados pudessem fazer declarações iniciais foram rejeitados pelo juiz.

“Embora estejamos sentados no banco dos réus, nós representamos a vontade do povo”, afirmou Demirtas, que já viu o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos classificar de ilegal a sua detenção. Ao ver negada a possibilidade de tomar a palavra, o ex-líder do HDP, ouvido por videoconferência, segurou um papel na mão onde se lia “Onde estão os 128 mil milhões de dólares?”, em referência ao recente escândalo do desaparecimento das reservas do Banco Central turco. O tribunal acabou por autorizar que as declarações requeridas fossem entregues por escrito e marcou nova sessão para o dia 3 de maio.

O HDP convocou uma concentração de protesto em frente ao tribunal, que a polícia tentou dispersar. Ainda houve tempo para ler uma declaração em que os líderes do partido afirmaram que “este é um processo que resulta da raiva do governo por ainda não ter conseguido aceitar a derrota do Estado Islâmico em 2014”. Os combatentes islamistas foram então expulsos da região pelos combatentes curdos com apoio militar norte-americano.

O atual co-presidente do partido, Mithat Sancar, afirmou que “este é um julgamento de vingança” por parte do regime de Erdogan.

Na Alemanha, a comissária para os Direitos Humanos do governo considerou este julgamento um ataque à democracia, ao tentar criminalizar a liberdade de expressão política. “A repressão severa das autoridades turcas, repetidamente criticada a nível internacional, sobre o HDP e os seus membros, alimenta dúvidas de que o julgamento de hoje em Ancara seja uma forma aceitável de tratar os acontecimentos trágicos dos chamados protestos de Kobane em 2014”, afirmou Bärbel Kofler, que também é deputada eleita pelo SPD.

No final do mês pasado, os deputados do Bloco de Esquerda assinaram um apelo de solidariedade contra a repressão que se abate sobre o HDP turco. “Todas estas violações aos direitos humanos na Turquia fazem parte de uma longa série de ataques dirigidos contra o HDP e o movimento nacional curdo, mas também contra todas as instituições e pessoas que lutam contra o autoritarismo do governo de Erdogan”, afirma o texto do apelo internacional.

esquerda.net