O mesmo dia em que era proclamada a segunda República espanhola, o presidente provisional do governo, assinava um decreto de amnistia para todos os delitos políticos, sociais e de imprensa. Nas mudanças de regime, a amnistia é, para além de uma medida humanitária, mais uma forma de deslegitimar o regime anterior: quando se esquecem oficialmente as penas impostas segundo o código penal anterior, está-se a declarar a injustiça do regime superado. Por isso, após a morte do ditador em 1975, certos setores sociais começam a exigir publicamente no Estado espanhol uma amnistia, cuja negociação e amplitude converter-se-á num dos temas principais da agenda política do momento.

 

COPEL: una historia de rebeldía y dignidad — Verkami

 

Assim, diversos coletivos começam a mobilização: desde as organizações políticas até os presos sociais e os seus familiares. Para a altura de 1975, as prisões espanholas estavam ateigadas de militantes antifranquistas, a maioria dos quais estavam organizados e sujeitos a uma disciplina comum (PCE, CCOO, ETA, FRAP, entre outras organizações). Ao parecer, as relações entre presos políticos e presos comuns não foi sempre fluída e baseada na confiança mutua. Para muitos presos políticos, os presos comuns eram lumpen proletariado. Segundo recolhe Ángel Suárez, um grupo de presos de ETA chegou a escrever: “quer-se que convivamos cos presos comuns […], introduzir-nos no seu ambiente, a miúdo literalmente repugnante, onde reina a mais completa degradação moral e onde o mais mínimo critério ético é ausente”.

Uma rejeição que era partilhada polo regime, que a través da Gandula –a Ley de Vagos e Maleantes, aprovada em 1933 durante o biénio radical-cedista da II República- e da sua continuadora Ley sobre peligrosidad y rehabilitación social acostumava encarcerar pessoas que mantinham comportamentos considerados como antissociais, em particular, pessoas homossexuais e transexuais, mas também todo tipo de coletivos marginalizados. Esse era, para a altura, um coletivo numeroso dentro da população carcerária. A Fiscalía espanhola, no seu informe de 1975 recolhe que foram emitidas no ano anterior um total de 2.839 sentenças condenatórias em aplicação dessa legislação, num momento em que a população carcerária abrangia 14.764 pessoas.

Apesar da sua situação, a toma de consciência dos presos sociais foi um facto. Como explica César Lorenzo em Cárceles en llamas (Virus editorial, 2013): “as ferramentas conceptuais da teoria anarquista do direito, reforçadas pelas contribuições dos autores soixante-huitards críticos com as instituições de controlo social –como Foucault á cabeça-, servir-lhes-á para dar forma a uma interpretação da delinquência como o produto de um sistema político e social –a ditadura franquista e a sociedade de consumo- injusto e repressivo, que condena a amplias capas da população à miséria, para as recluir depois dentro das prisões mediante leis desproporcionalmente severas”. Essa toma de consciência haver-se-á traduzir em constantes protestos que, em forma de motins carcerários, autolesões e greves de fome, aumentam durante esses anos. Uns protestos que vão ter lugar em um momento em que, como têm referido várias e vários autores, a mobilização social era considerável: segundo os dados do Ministério de Trabalho, só em 1976 tiveram lugar 1.586 greves, em que participaram 3,5 milhões de trabalhadores; as organizações políticas também se multiplicam e crescia mesmo a violência política.

Em este contexto nasce em janeiro de 1977 a Coordenadora de Presos em Luta, COPEL, cuja razão de ser era, primeiramente, reivindicar uma amnistia geral que abrangesse a todos os presos, com independência da natureza do seu delito. Em esta luta os militantes da COPEL ficarão praticamente sós: nem as organizações políticas antifranquistas, nem os poderes públicos foram sensíveis às suas reivindicações em este sentido. Apenas os seus familiares e algum coletivo libertário manteve a solidariedade com a COPEL em este aspecto.

Assim expressava-se a editorial do jornal El País de 20 de julho de 1977: “A COPEL pede anistia e uma mudança radical no sistema penitenciário. Ainda que não resulte agradável dize-lo, é evidente que o paralelismo entre a anistia política e uma eventual anistia para delitos sociais e indefensível. Porque os dois grandes supostos que contempla a anistia não se dão, ou dão-se em grau mínimo, nas condenas nascidas da aplicação do Código Penal ordinário. Dum lado, a anistia promulgada o passado mês de julho não faz más que projetar cara atrás os efeitos da «despenalização» de condutas tales como a afiliação a partidos políticos e a propaganda das suas siglas e dos seus programas […] Evidentemente, no âmbito da «delinquência social» a despenalização de condutas –e a conseguinte anistia- não pode estender-se no futuro imediato, más que a um número limitadíssimo de delitos (o adultério, a propaganda de anticonceptivos e algumas formas do aborto, por exemplo).

Também não se dá o segundo suposto que cobre a anistia pode estender-se aos delitos ordinários. Trata-se da anistia de condutas que continuam sendo delitivas (como o roubo ou o homicídio), mas que foram motivadas por circunstancias políticas agora inexistentes. No caso de homes que mataram ou assaltaram bancos durante a ditadura por razões políticas, presume-se que a mudança de sistema político fez desaparecer o que pudera fazer-lhes reincidir nessa conduta delitiva. E é evidente que as transformações políticas não modificam suficientemente uma sociedade como para presumir, em términos generais, que desapareceram as causas que empuxam a quebrantar a lei por motivos privados”.

Em segundo lugar, as reivindicações da COPEL visavam para a exigência de modificar o regulamento penitenciário de 1956, vigente para a altura. Tratava-se de uma norma ditada num momento de abertura do regime, mas que na altura era objeto de crítica por parte das pessoas presas, pelo seu autoritarismo, pelos abusos frequentes, pelo papel primordial que jogava a igreja católica e pela dureza da vida nas prisões. Neste ponto, o seu sucesso foi incontestável: em setembro de 1979 era promulgada a primeira lei orgânica do Estado espanhol: a Lei Orgânica Penitenciária, que recolhia uma grande parte das reivindicações da COPEL.

A história da COPEL é uma história esquecida e mesmo maltratada pelos coletivos que reivindicam a memória democrática. Contudo, qualquer pessoa que se considere democrata está em dívida com os seus militantes e os seus sacrifícios.

David Soto

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