O ex-presidente uruguaio José “Pepe” Mujica passou 15 anos em prisões durante a ditadura civil-militar. Por 12 desses anos, entre 1973 e 1985, esteve em solitárias, assim como seus correligionários Eleuterio Fernández Huidobro e Mauricio Rosencof, todos integrantes do grupo Tupamaros. Eleuterio e Mauricio escreveriam depois o livro Memorias del Calabozo, no qual se baseia o filme Uma Noite de Doze Anos.

Rodado na Espanha e no Uruguai com participação da Argentina na produção, o drama carcerário dirigido pelo uruguaio Álvaro Brechner quer nos colocar no lugar dos três presidiários, praticamente confinando-nos com eles em suas celas. Como não confessavam o que os militares queriam, foram levados a situações extremas de tortura física e psicológica. Com frequência eram transferidos encapuzados para perderem a noção de onde estavam. Impedidos de receber visitas, quase sem ter o que comer nem como fazer suas necessidades fisiológicas com um mínimo de dignidade, por pouco não enlouqueceram.

Mujica (interpretado por Antonio de la Torre) parece ter sido o mais atingido pelo espectro da psicose em sua busca desesperada de “não pensar”. O que, aliás, só valoriza sua posterior recuperação a ponto de se tornar presidente da nação e um dos políticos mais admirados do mundo. Eleuterio (Alfonso Tort) seria depois senador e Ministro da Defesa, enquanto o poeta e dramaturgo Mauricio (Chino Darín, filho do astro Ricardo Darín) ocuparia a Secretaria de Cultura de Montevidéu.

Pelo que vemos no filme, a sobrevivência emocional dos três se deveu, em boa parte, à obsessão pela comunicação entre eles através das paredes do cárcere. A amizade, portanto, é um subtexto constante, apesar da separação física.

As poucas saídas do ambiente claustrofóbico das prisões são as lembranças do trio, que remontam a suas famílias, namoradas e às condições em que “caíram”. Parte desses flashbacks, especialmente os afetados pelo estado mental de Mujica, têm características delirantes, projetando a imaginação carente sobre as memórias objetivas.

Em virtude dessa ênfase na subjetividade dos personagens, o filme despolitiza bastante o assunto, evitando entrar em considerações sobre a ação dos Tupamaros e sua justificação prática e ideológica. A abordagem é genérica a ponto de poder servir a qualquer tipo de encarceramento por um regime fascista.

Embora bem produzido e conduzido com mão firme e elenco competente, Uma Noite de Doze Anos parece às vezes interessado demais na lógica do espetáculo. Ainda que seja o espetáculo do sofrimento. Muitos efeitos de impacto na montagem e na edição sonora, assim como o apelo a emoções pessoais básicas, mais cortejam a semântica de um gênero (o thriller carcerário) do que particularizam a experiência dos três guerrilheiros naquele quadro específico.

 

 

Por Carlos Alberto Mattos

Carta Maior