O contencioso internacional que se desenvolve em torno da quinta geração de redes de dados móveis (5G) é muito mais que um confronto comercial. Os senhores da guerra estão em pleno assalto a esta tecnologia e aos seus sectores mais avançados – especialmente os chineses da Huawei – para desenvolverem sistemas militares de ataque cada vez mais eficazes e letais sem necessidade de investirem, da sua parte, em vidas humanas. Os sistemas 5G são fundamentais para a “guerra inteligente”, novo campo de corrida aos armamentos daqueles que apenas sabem utilizar a força para resolver os seus problemas, defender os seus interesses e intimidar adversários.

 

 

 2020-06-06

 

 

Enquanto o Canadá acaba de autorizar a extradição para os Estados Unidos de Meng Wanzhou, filha de um dos dirigentes da Huawei, o Serviço de Pesquisa do Congresso norte-americano expõe o pacote militar das redes móveis de quinta geração (5G).

Na base aérea de Nellis, no Nevada – anuncia o Pentágono – começará em Julho a construção de uma rede experimental de 5G. Estará operacional em Janeiro de 2021.

Nesta base aérea realizaram-se em Março passado os exercícios Red Flag (bandeira vermelha), as mais importantes manobras aéreas dos Estados Unidos, na qual participaram forças alemãs, espanholas e italianas. Estas foram constituídas também por caças F-35 que, segundo comunicado da Força Aérea de Roma, foram integrados “nos melhores dispositivos da aviação militar norte-americana” com o objectivo de “explorar ao máximo as potencialidades das aeronaves e dos sistemas de armas em dotação”, incluindo certamente os nucleares. Nos exercícios de Red Flag de 2021 estarão provavelmente já em funções, para serem testados em ambiente real, as redes móveis 5G constituídas por torres a montar e desmontar em menos de uma hora para serem rapidamente transferidas de acordo com a operação em curso.

A base de Nellis é a quinta seleccionada pelo Pentágono para testar a utilização militar da 5G: as outras situam-se no Utah, na Geórgia, na Califórnia e no Estado de Washington.

A guerra sem pilotos

Um documento do Serviço de Pesquisa do Congresso explica que esta tecnologia de quinta geração da transmissão de dados móveis pode ter “numerosas aplicações militares”. Uma das quais diz respeito aos “veículos militares autónomos”, isto é, engenhos robóticos aéreos, terrestres e navais com capacidades para realizarem, de modo autónomo, missões de ataque sem mesmo serem pilotados à distância. O que exige o armazenamento e a elaboração de uma enorme quantidade de dados que não podem efectuar-se unicamente a bordo do próprio veículo autónomo. A rede 5G permitirá a este tipo de veículo utilizar um sistema externo de armazenamento e elaboração de dados, análogo à actual Cloud (nuvem) para guardar ficheiros pessoais. Este sistema pode tornar possíveis “novos conceitos operacionais militares” tais como “o enxame”, através do qual cada veículo pode ligar-se automaticamente a outros para efectuar a missão (por exemplo um ataque aéreo a uma cidade ou um ataque naval a um porto).

As redes 5G permitem tornar mais poderoso qualquer sistema de comando e de controlo das forças armadas dos Estados Unidos à escala mundial: actualmente – explica o documento – utiliza comunicações por satélite mas, devido à distância, o sinal demora um certo tempo a chegar provocando atrasos na execução das operações militares. Estes atrasos serão praticamente eliminados pelo 5G. Este sistema terá assim um papel determinante sobretudo na utilização de armas hipersónicas, as quais, equipadas também com ogivas nucleares, circulam a uma velocidade dez vezes superior à do som.

O sistema 5G será igualmente muito importante para os serviços secretos, tornando possíveis sistemas de controlo e de espionagem muito mais eficazes que os actuais. As redes 5G “são vitais para conservar as vantagens militares e económicas da América”, sublinha o Pentágono.

Financiado pelos utilizadores de telemóveis

Particularmente vantajoso é o facto de a “tecnologia emergente 5G, comercialmente disponível, permitir ao Departamento da Defesa a oportunidade de beneficiar deste sistema a custos reduzidos para as suas próprias exigências operacionais”. Por outras palavras, a rede comercial 5G, concretizada por empresas privadas, será utilizada pelas forças armadas norte-americanas com despesas bastantes mais baixas do que as que seriam necessárias se a rede tivesse unicamente fins militares. Noutros países passa-se a mesma coisa.

Compreende-se, deste modo, que o contencioso em torno da 5G, especialmente entre os Estados Unidos e a China, não faça apenas parte da guerra comercial. A 5G criou uma nova área da corrida aos armamentos, que se desenvolve menos no plano quantitativo do que no qualitativo. O facto não é abordado pela comunicação social dominante e até largamente ignorado pelos próprios críticos desta tecnologia, que concentram as suas atenções sobre os possíveis efeitos nocivos para a saúde. Um empenhamento que é, por certo, de grande importância mas que é preciso associar ao que se opõe à utilização militar desta tecnologia, financiada pelos utilizadores de telemóveis de quinta geração sem o seu conhecimento.

Manlio Dinucci, Il Manifesto/O Lado Oculto