A associação D3 esteve na origem da queixa ao Tribunal Constitucional sobre o armazenamento de metadados. Com os juizes a darem-lhe razão, aponta agora o dedo à “desinformação do comentariado alarmista” que agita cenários de caos nos tribunais e libertação de criminosos.
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                                     Foto de Pedro Gomes Almeida

 

 

O chumbo do armazenamento dos metadados – dados de tráfego de comunicações, como a hora, local e identificação do telemóvel ou computador usado para comunicar – pelo Tribunal Constitucional deu origem a muitas colunas de opinião e comentadores televisivos a defenderem que isso significa o fim da investigação criminal, por já não ter acesso livre àquela informação relativa às comunicações de toda a gente durante dois anos. A própria Procuradora Geral da República pediu aos juízes a anulação da decisão ou a sua limitação apenas para os processos futuros. Em resposta, o Tribunal não reconheceu legitimidade processual à Procuradora para contestar a decisão. Nos meios de decisão política, São Bento e Belém já ponderaram rever a Constituição, apesar de o regime que a lei portuguesa previa ser ilegal à luz de várias decisões do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE).

Em entrevista publicada este domingo no Jornal de Notícias, o vice-presidente da Associação de Defesa dos Direitos Digitais (D3) pergunta: “Mas qual é o sentido de alterar a Constituição? Alterar o quê, para que efeitos? Para a tornar incompatível com a Carta dos Direitos Fundamentais da UE?”.

“O que o TJUE disse foi que não é aceitável termos um regime que obriga à conservação de todos os metadados de todas as comunicações de todos os cidadãos. Isso constitui vigilância massiva sobre a população”, explica Ricardo Lafuente, considerando a decisão do TC uma “vitória”, apesar de “o facto de uma lei inconstitucional ter vigorado durante 14 anos não nos deixa grande vontade para festejos”.

 

 

“Ninguém sofrerá intromissões arbitrárias na sua vida privada, na sua família, no seu domicílio ou na sua correspondência” Declaração Universal dos Direitos Humanos
“O domicílio e o sigilo da correspondência e dos outros meios de comunicação privada são invioláveis.” Constituição da República Portuguesa

 

A D3 está preocupada com o rumo do debate público sobre a questão, ao constatar que “persiste uma linha dura dedicada a desgastar os direitos fundamentais das pessoas com base em ameaças vagas à segurança coletiva”. E essa “linha dura” é bem visível nos “comentadores televisivos alarmistas, e também nos órgãos de poder”, com a apresentação de cenários em que o chumbo teria como consequência “o caos total nos tribunais e a consequente libertação de inúmeros criminosos”, sem quaisquer dados que o confirmem.

“O apelo desonesto aos medos mais fundamentais das pessoas não é a forma certa de lidarmos com os problemas complexos da sociedade”, aponta Ricardo Lafuente, concluindo que a D3 continuará empenhada em participar no debate público sobre o digital e a segurança.

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