Nossas comunidades não querem simplesmente voltar para a era Obama. Não queremos que as pessoas vivam com medo em seus próprios bairros.

 

Policiais da patrulha estadual durante um protesto contra o assassinato de George Floyd pela polícia (Chandan Khanna/AFP via Getty Images)Créditos da foto: Policiais da patrulha estadual durante um protesto contra o assassinato de George Floyd pela polícia (Chandan Khanna/AFP via Getty Images)

 

Nos meses após o assassinato de George Floyd em maio passado, os estadunidenses mais uma vez assistiram em choque as forças de segurança locais e estaduais enviando veículos militares para patrulhar as ruas dos EUA de Minneapolis a Portland e da Capital a Atlanta, e assistiram horrorizados aos policiais equipados militarmente usando gás lacrimogêneo e força excessiva contra protestantes pacíficos.

Essas cenas muito familiares de uma resposta militarizada a protestantes pacíficos foram possíveis por causa de um programa obscuro do Pentágono que afunilou bilhões de dólares em armas de guerra para agências de segurança domésticas.

Nós dois estivemos trabalhando para encerrar essas transferências de equipamento militar desde que o nível do problema se tornou mais evidente em 2014 na repercussão do assassinato de Michael Brown em Ferguson, Missouri, pela polícia.

Andando pelas ruas de Ferguson após o assassinato de Brown, vimos em primeira mão como as armas de guerra eram usadas para policiar e aterrorizar comunidades não-brancas.

Um de nós foi criado no Irã em meio a guerras e testemunhou o trauma e efeitos de longo-prazo de uma sociedade militarizada nos cidadãos comuns e o outro foi criado em Washington, Capital, antes da militarização dos departamentos de polícia, partilhamos a dolorosa realidade que em comunidades negras, em todo o território nacional, uma mentalidade militar de guerra substituiu o modelo de proteger e servir das forças de segurança aplicado nas comunidades brancas.

Desde sua criação nos anos 90 em conexão com a guerra às drogas, o Programa 1033, permitiu a transferência de mais de 7.4 bilhões em equipamento militar em excesso para mais de 8.000 agências de forças de segurança ao redor do país.

Nos últimos anos, a transferência de armamento militar em excesso dos campos de batalha do Iraque e do Afeganistão para as ruas dos EUA prosperou. A militarização da força policial doméstica perpetua o racismo institucionalizado, a islamofobia e a xenofobia e contribui com a manutenção de uma sociedade na qual as vidas das pessoas negras e mestiças não importam. Além disso, estudos mostram que a militarização dos departamentos de polícia é insegura não somente para as comunidades, como também é ineficaz na redução de crimes ou na melhoria da segurança policial. Evidências mostram que agências de segurança que recebem equipamentos militares estão mais propensas a agirem violentamente nas comunidades que juraram proteger.

Reconhecendo essa realidade, o presidente Obama divulgou uma ordem executiva que encerrava a transferência de certos tipos de armamentos de nível militar sob o aval do Programa 1033, mas esse decreto foi imediatamente revertido pelo presidente Trump permitindo que a transferência continuasse descontrolada.

Durante a administração Trump, o Programa 1033 expandiu para abraçar nossa fronteira sulista, com agências federais como a ICE e a CBP recebendo enormes quantidades de armamento de nível militar com o propósito de regular requerentes de asilo e famílias buscando refúgio em nossa fronteira.

Já passou da hora de o Congresso encerrar essa transferência de armamento militar sob o aval do Programa 1033. O que está impedindo os legisladores de cumprir os desejos de seus constituintes e de dezenas de milhões de estadunidenses no país?

Na repercussão do assassinato de George Floyd, 100 organizações enviaram uma carta para membros do Congresso pedindo pela abolição do Programa 1033 de transferência de armas. E uma coalizão bipartidária com apoio de todos os lados do espectro ideológico – incluindo “Americans for Prosperity”, “FreedomWorks”, “Demand Progress” e “March For Our Lives” – se uniu para fazer lobby com legisladores para encerrar a militarização nas nossas comunidades.

O senador Brian Schatz (Democratas-Havaí) liderou a luta no Senado no ano passado e recebeu uma maioria bipartidária em sua emenda à lei anual de autorização de defesa que teria parado a transferência de certos equipamentos militares com o Programa 1033, mas a exigência de uma margem de 60 votos da regra do obstrucionismo impediu que sua emenda ganhasse mais votos para ser aprovada.

No ano passado na Câmara, a influência de sindicatos policiais importantes atrapalhou esforços para dramaticamente reduzir o Programa 1033. Ver tantos políticos cederem à pressão de sindicatos policiais dessa maneira foi incrivelmente decepcionante e fora de contexto com as demandas dos protestos que estão varrendo a nação.

Mesmo quando o presidente Joe Biden cumprir sua promessa de campanha de não somente restituir, como também reforçar a ordem executiva de Obama, não será suficiente. Nossas comunidades não querem simplesmente voltar para a era Obama. Não queremos que as pessoas vivam com medo em seus bairros.

A Lei Pare a Militarização das Forças Policiais de 2021, que foi reintroduzida na semana passada, é uma lei bipartidária que garantiria um fim à transferência indiscriminada de armamentos de nível militar sob o aval do Programa 1033 do Pentágono diretamente para agências de segurança locais e estaduais e para as ruas das nossas comunidades.

Publicado originalmente em ‘The Nation‘ | Tradução de Isabela Palhares para Carta Maior