Durante a presidência de Nixon, Daniel Ellsberg vazou documentos confidenciais sobre a Guerra do Vietnã para o New York Times e o Washington Post.

 

 

Daniel Ellsberg, ex-analista das Forças Armadas dos Estados Unidos que repassou em 1971 os “Papéis do Pentágono”, declarou no julgamento de extradição contra Julian Assange. Durante a presidência de Richard Nixon, Ellsberg enviou 7.000 páginas de documentos classificados sobre a guerra de Vietnam ao New York Times e depois ao Washington Post.

Os documentos mostraram que o governo norte-americano havia decidido continuar a guerra mesmo sabendo que não a ganharia e que causaria milhares de mortes em suas fileiras.

Agora, o promotor James Lewis que representa a Justiça estadunidense tentou mostrar que diferente do que foi feito por Ellsberg, o Wikileaks pôs em risco a vida de informantes secretos.

No entanto, o ex-membro das FFAA rechaçou essa questão. “Estou totalmente em desacordo com a teoria do ‘bom Ellsberg / mau Assange’”, sustentou o analista informático.

 

              Daniel Ellsberg, ex-analista das Forças Armadas dos Estados Unidos

 

“Não é um julgamento justo”

Quarta-feira foi o sétimo dia desta segunda parte do julgamento que havia começado em fevereiro, mas foi suspenso após a chegada da pandemia. Na quinta-feira passada a juíza Vanessa Baraitser havia decidido deter outra vez o processo já que alguns dos assistentes apresentaram sintomas da Covid-19.

A justiça inglesa deverá decidir se aceita a extradição do criador do Wikileaks para os Estados Unidos. O governo norte-americano o acusa de espionagem e pirataria informática após haver publicado em 2010 mais de 700.000 documentos classificados.

Se for aprovada sua extradição, ele poderia ser condenado a 175 anos de prisão. Assange se encontra detido em uma prisão de segurança máxima na Inglaterra desde abril de 2019. Antes havia passado sete anos encerrado na embaixada do Equador em Londres.

As revelações feitas por Wikileaks haviam mostrado os crimes de guerra cometidos pelos Estados Unidos no Iraque e no Afeganistão. Por sua vez o site também havia publicado milhares de telegramas diplomáticos do governo estadunidense, que deixaram a descoberto a influência direta da Casa Branca sobre boa parte do mundo. Por esse motivo a Justiça estadunidense pediu a extradição do jornalista australiano com a finalidade de julgá-lo no país.

Durante a audiência de quarta-feira, a defesa de Assange apresentou Ellsberg como uma de suas testemunhas. O analista de inteligência de 89 anos reconheceu a importância das revelações feitas pelo Wikileaks.

“Ao longo do tempo reconheceram que minhas ações em relação com o ‘Papeis do Pentágono’ e as consequências de sua publicação geraram uma radical mudança de interpretação. Considero que as publicações de WikiLeaks de 2010 e 2011 têm uma importância comparável”, sustentou o ex-militar.

Por sua vez também destacou a valentia de sua colega Chelsea Manning que filtrou os arquivos classificados. “Me impressionou muito que a fonte destes documento, Chelsea Manning, estivesse disposta a arriscar sua liberdade e inclusive sua vida para tornar pública essa informação. Foi a primeira vez em 40 anos que vi outra pessoa fazendo isso, e senti afinidade com ela”,

Após a publicação dos “Papéis do Pentágono”, Ellsberg e seu colaborador Anthony Russo foram acusados pelo governo norte-americano de roubo, conspiração e violação à Lei de Espionagem. O ex-militar criticou essa norma já que ela impossibilita um processo legal justo.

“A Lei de Espionagem não permite filtrações. Assim que eu não tive um julgamento justo; ninguém desde que meu caso teve um julgamento justo por estas acusações, e Julian Assange não pode nem remotamente obter um julgamento justo por essas acusações se for julgado”, sustentou o analista informático.

Após um longo processo judicial Ellsberg e seu colaborador foram inocentados. O julgamento havia sido anulado ao se constatar que a administração Nixon e a Promotoria haviam cometido toda classe de atropelos como prevaricação, supressão de provas, ocultação de testemunhas, obstrução de justiça e inclusive roubo de informação.

O efeito das filtrações

Na hora de interpelar Ellsberg o promotor Lewis tentou estabelecer uma comparação entre seu caso e o de Assange. Segundo o promotor, em 1971 o ex-militar não havia publicado quatro volumes de documentos para resguardar o governo estadunidense. Mas havia entregado todos os arquivos ao Senado.

No entanto, o analista esclareceu que no momento de dar com os documentos secretos, os Estados Unidos e o Vietnã estavam em negociações de paz. Ellsberg não queria que a sua publicação fosse usada como pretexto para romper o diálogo, e por isso demorou sua entrega aos meios.

Com relação ao argumento do promotor de que Assange pôs em risco a vida de informantes, o ex-militar disse que ele também havia dado informação sobre um agente clandestino da CIA. Justificou essa decisão argumentando que não queria que o público pensasse que os arquivos haviam sido editados ou interferidos.

Para demonstrar que o governo estava cometendo atrocidades no Vietnã, Ellsberg necessitou que esses documentos se mantivessem impolutos e que ninguém pudesse dizer que com sua intervenção estava encobrindo algo, sustentou o ex-militar.

Lewis também tentou que Ellsberg admitisse que os arquivos do WikiLeaks eram mais prejudiciais. No entanto, o analista disse que já durante o julgamento de Manning o Departamento de Defesa não havia podido mostrar uma só morte como resultado dessas filtrações.

O promotor mencionou que alguns informantes haviam tido que fugir de seus países. O ex-militar pediu que comparasse esses casos e o do jornalista australiano. “As pessoas que têm que abandonar o país devem situar-se no contexto de Assange tratando de pôr fim a uma guerra que causa 37 milhões de refugiados e mais de um milhão de mortes”, sustentou Ellsberg.