Sob o governo do primeiro ministro nacionalista hindu, Narendra Modi, líder da extrema direita do BJP, a Índia tem passado gradualmente de uma democracia vibrante para um estado teocrático.
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Resultado de imagen de Narendra Modi                                                    Narendra Modi

 

A maior democracia do mundo, a Índia, conhecida pela sua colorida diversidade e por Mahatma Gandhi, é atualmente caracterizada pela intolerância religiosa, linchamentos, violência contra a minoria muçulmana e um hegemónico fundamentalismo hindu. Sob o governo do primeiro ministro nacionalista hindu de extrema direita, Narendra Modi, a Índia tem passado gradualmente de uma democracia vibrante para um estado teocrático hindu. Modi é produto da Rastriya Swayamsevak Sangh (RSS) – uma organização cultural hindu que propaga a sua hegemonia na Índia, abomina o secularismo e a diversidade cultural e promove a violência contra minorias muçulmanas e cristãs. Curiosamente, a RSS é abertamente influenciada por movimentos fascistas europeus e os seus principais líderes (Veer Savarkar) elogiavam regularmente Hitler e Mussolini no final das décadas de 1930 e 1940.

Quando era ministro-chefe de Gujarat, Narendra Modi permitiu que os motins anti-muçulmanos de 2002 matassem mais de 1 000 muçulmanos; tornou-se primeiro ministro da Índia em 2014 e foi reeleito em 2019 ao polarizar o eleitorado em questões religiosas. Desde a sua eleição, o governo nacionalista de Modi não só se tornou num pesadelo para a vasta população muçulmana, como também atormentou secularistas, pessoas de esquerda, liberais e qualquer pessoa que se atreva a criticar Modi e o nacionalismo hindu.

O atual movimento para aprovar a emenda à Lei da Nacionalidade (CAA) e a proposta de um NRC (Registo Nacional de Cidadão) são os resultados naturais de um governo nacionalista que deseja fazer da Índia uma nação hindu onde as minorias religiosas devem ser cidadãos de segunda classe. Constitucionalmente, a Índia era um país secular até à aprovação da CAA, a 11 de dezembro de 2019, pelo partido Bhartiya Janta (Partido do Povo Indiano – BJP), o partido nacionalista hindu dominante e liderado por Modi. O projeto de lei alterou a Lei da Cidadania de 1955 ao abrir caminho para a cidadania indiana de pessoas hindu, sikh, budistas, jain, parsee e cristãos que fugiram da perseguição no Paquistão, Bangladesh e Afeganistão antes de dezembro de 2014. Os muçulmanos não tiveram o mesmo direito. Este projeto de lei foi a primeira vez que a religião foi usada abertamente como critério de cidadania de acordo com a lei indiana.

 

Resultado de imagen de Narendra Modi                                                Modi e Trump

 

Anteriormente, num esforço para tornar a Índia num Estado dominado pelo hinduísmo, o BJP (ala política da RSS) alterou o estatuto especial de Caxemira e garantiu que o local da mesquita Babri se tornava num templo hindu. Leis e políticas como a CAA, o Registo Nacional de População (NPR) e o NRC estão a abrir caminho para a rastra Hindu (a nação hindu) – o sonho do partido religioso de extrema direita, o BJP.

Estas leis e políticas discriminam profundamente os 200 milhões de muçulmanos da Índia. A emenda foi amplamente criticada como sendo “profundamente discriminatória” contra os muçulmanos. Os críticos expressam a preocupação de que o projeto possa ser usado, em conjunto com o NRC, para tornar muitos cidadãos muçulmanos apátridas, pois podem não conseguir responder a rígidos requisitos de prova de nascimento ou identidade. “A CAA marca uma perigosa mudança na maneira como a cidadania será determinada na Índia, irá criar a maior crise de apátridas do mundo e causar imenso sofrimento humano”, observa um projeto de resolução do Parlamento Europeu sobre a CAA, agendado para debate em março de 2020. Uma das resoluções da UE não só expressa “profunda preocupação”, como também “condena as mudanças unilaterais feitas a Caxemira pela Índia”. O partido nacionalista hindu liderado por Narendra Modi há muito que tenta anular o estatuto especial de Caxemira na Constituição do país, que consideram ser uma cedência aos muçulmanos e um obstáculo aos planos de tornar a Índia numa nação hindu.

 

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Existem, no entanto, vozes de resistência à CAA. Estão a decorrer grandes manifestações na Índia contra esta e o NRC. O protesto de Shaheen Bagh é uma manifestação pacífica, 24 horas por dia, 7 dias por semana, liderado por mulheres, que começou na altura da aprovação da CAA e a subsequente intervenção da polícia contra estudantes da Universidade Jamia Millia Islamia que se opunham à emenda. Constituídos maioritariamente por mulheres muçulmanas, os manifestantes de Shaheen Bagh bloquearam a 15 de dezembro de 2019 uma das principais auto estradas de Nova Deli através de resistência não violenta – a 1 de fevereiro de 2020 a ocupação durava há 48 dias. Os manifestantes também apoiam os sindicatos que se opõem às “políticas anti trabalhistas” do governo. Os protestos de Shaheen Bagh têm inspirado manifestações semelhantes por todo o país, como as de Gaya, Bihar, Mumbai e Bengaluru.

Yogi Adityanath, ministro-chefe do BJP de Uttar Pradesh e nacionalista hindu militante, prometeu vingar-se dos manifestantes. Curiosamente, Adityanath usa a sua milícia privada (a Hindu Yuva Vahini) para aterrorizar muçulmanos, e colhe apoio de outros grupos fundamentalistas hindus (Bajrang Dal e RSS) listados como grupos militantes hindus na lista da CIA.

De modo a suprimir a dissidência/protesto contra a agenda nacionalista hindu, os media, a academia, o poder judiciário e a burocracia estão a ser purgados de dissidentes. Os mass media controlados pelo governo demonizam as perspetivas minoritárias, apoiando o governo de Modi na construção de um culto hegemónico de tradição hindu e disseminando veneno xenofóbico contra as minorias religiosas, secularistas e de esquerda.

Convidar políticos como o presidente das Filipinas Rodrigo Duterte e o presidente do Brasil Jair Bolsonaro como convidados de honra no Dia da República da Índia é também reflexo da ideologia extremista propagada pelo primeiro-ministro Narendra Modi, contrária aos valores indianos de não violência, sincretismo e pluralismo religioso. A diversidade cultural e a cidadania inclusiva (independentemente da casta, credo e religião) foram sempre os pontos fortes da Índia, mas estão agora a ser desmantelados pelos nacionalistas hindus.

 

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É interessante notar que trinta e sete por cento dos indianos votaram em Narendra Modi sabendo bem que ele não tem nada a oferecer além de ódio, capitalismo clientelista e a utopia do Estado hindu. Agora vemos as consequências das suas ações! Quando as pessoas páram de pensar, são levadas pelo frenesim e falham em analisar-se criticamente, a democracia dá à luz monstros políticos e genocidas.

Ironicamente, Narendra Modi, democraticamente eleito, está decidido a desmantelar a democracia – transformando uma nação secular numa nação hindu fascista, na qual milhões de muçulmanos seriam forçados a viver como cidadãos de segunda classe. Mudanças estruturais discriminatórias na Constituição indiana, como a CAA-NRC, causou danos irreparáveis à diversidade democrática da Índia, levando-a a tornar-se num Estado teocrático hindu.

Tradução de Érica Almeida Postiço.

Investigador no Centro para o Estudo das Línguas e Sociedade Indianas e doutorando no Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra.