Todos os dias desaparecem pessoas em alguma parte do mundo, e isso tem ocorrido ao longo de toda a história da humanidade. Mas a desaparição forçada, ou desaparição involuntária de pessoas, é o termo jurídico que define atualmente esse tipo de delito complexo, que implica na violação de vários direitos humanos, e que, cometido em determinadas circunstâncias, constitui também um crime de lesa humanidade, sendo suas vítimas conhecidas como desaparecidos – ou, particularmente na América Latina, como detidos desaparecidos.

O crime de desaparição forçada, definido em textos internacionais e na legislação penal de vários países, está caracterizado pela privação da liberdade de uma pessoa por parte de agentes do Estado ou de grupos e indivíduos que atuam com seu apoio, além da negativa em reconhecer tal privação ou suas consequências, com o fim de evadir a lei.

O assassinato da pessoa vítima de desaparição forçada, frequentemente após um cativeiro com torturas, em um paradeiro oculto, pretende favorecer deliberadamente a impunidade dos responsáveis, que também atuam para intimidar ou aterrorizar a comunidade ou o coletivo social ao qual a pessoa pertence.

Por se tratar de um delito permanente ou contínuo, seu efeito mais cruel se mantém até que seja revelado o paradeiro da pessoa que desapareceu, prolongando e amplificando o sofrimento que causa a familiares e amigos. Alguns casos chocam mais, devido à vulnerabilidade da vítima, como as crianças que são arrancadas dos pais.

Quando falamos dos “desaparecidos” não podemos omitir, por exemplo, as milhares de pessoas que foram aniquiladas durante as invasões das tropas estadunidenses e europeias no Afeganistão, no Iraque, na Síria, na Jordânia e em muitos outros países, durante as últimas duas décadas. Os embates de forças israelenses em Gaza e em outros territórios palestinos ocupados, as guerras pelos recursos naturais na África, os genocídios de centenas de milhares de pessoas no Camboja e outros conflitos semelhantes produziram o mesmo efeito e grandes quantidades de vítimas.

Desaparições forçadas

O conceito do crime de desaparição começa com a própria história dos direitos humanos, na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, formulada em 26 de agosto de 1789, na França, pelas autoridades surgidas da Revolução Francesa.

Mas o impulso para o reconhecimento deste crime na jurisprudência internacional teve lugar no último quarto do Século XX, a partir da multiplicação dos casos de desparecidos na América Latina, e graças à mobilização dos setores da opinião pública e da sociedade civil, em particular pela iniciativa dos movimentos populares.

Há quem acredite que a figura do detido desparecido foi implementada pelo terrorismo de Estado argentino, durante a última ditadura civil-militar (1976-1983), quando mais de 30 mil pessoas, em sua maioria jovens, foram vítimas desses atos de lesa humanidade. Mas a desaparição forçada de pessoas tem uma larga e obscura história em todo o mundo.

Desde 1980, quando se constituiu o Grupo de Trabalho sobre Desaparições Forçadas ou Involuntárias, ligada à Comissão de Direitos Humanos (CDH) das Nações Unidas, o delito de desaparição forçada vem se revelando um problema a escala mundial, por afetar a numerosos países dos cinco continentes. O informe de 2009 deste organismo registrava 53,2 mil casos que afetavam 82 países. A partir do precedente imposto para julgar os crimes contra a humanidade cometidos durante a Segunda Guerra Mundial, o grupo de trabalho conseguiu, em 1989, alcançar a primeira sentença de condenação contra um Estado por parte da Corte Interamericana de Direitos Humanos.

Por sua vez, essa condenação criou as bases para a Declaração sobre a proteção de todas as pessoas contra as desaparições forçadas (aprovada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 1992); a Convenção Interamericana sobre Desaparições Forçada de Pessoas (1994); a tipificação universal, no Estatuto de Roma, da Corte Penal Internacional (1998); e a “Convenção Internacional para a proteção de todas as pessoas contra as desaparições forçadas”, da Assembleia Geral das Nações Unidas, cuja assinatura foi celebrada em Paris no dia 6 de fevereiro de 2007, estabelecendo uma série de obrigações universais juridicamente vinculantes para os Estados envolvidos.

Após a Segunda Guerra Mundial do Século XX, em 1946, os processos de Nuremberg levaram ao conhecimento da opinião pública a amplitude do decreto Nacht und Nebel, um dos antecedentes mais destacados do crime, e o mecanismo pelo qual o regime de Adolf Hitler prendia e condenava à morte pessoas que viviam nos territórios ocupados da Europa, e consideradas uma ameaça para a segurança do Terceiro Reich.

Entretanto, as execuções não eram realizadas imediatamente, mas somente após serem levadas aos campos de concentração na Alemanha, onde terminavam por desaparecer, proibidas de se comunicar e com requintes que dificultaram a investigação sobre o paradeiro de cada indivíduo capturado.

O acionar dos nazistas tinha um antecedente: o genocídio de um milhão e meio de armênios, quando os responsáveis pelo então Império Turco-Otomano os deportaram em massa desde a região de Anatólia Oriental até o deserto da Síria e outras partes, entre 1915 e 1916. No trajeto, foram submetidos a maus tratos físicos, alguns morreram de fome ou por doenças, e outros simplesmente assassinados.

Tanto o governo dos Jovens Turcos quanto o de Kemal Ataturk, assim como o Terceiro Reich de Hitler, eram regimes totalitários, com uma burocracia estabelecida no marco de um contexto bélico, de uma guerra mundial. Os nazistas sabiam que os crimes cometidos pelos turcos haviam terminado em impunidade, o que os permitiu impor sua verdade histórica, de aberta negação de tudo o que aconteceu.

Na perseguição dos armênios e dos judeus, os turcos e os nazistas levantaram razões raciais em prol de uma utopia nacionalista, impondo aos perseguidos o papel de “inimigo interno”, utilizando sofismas nos discursos oficiais e documentos, como, “transferência” ou “solução final” para encobrir “extermínio físico”.

Em 1947, nos começos da Guerra Fria, o ocidente acreditava na versão dos Estados Unidos. O Conselho de Segurança Nacional desenvolvia a doutrina de segurança nacional, e seu componente para a repressão de dissidentes foi a base do adestramento aos oficiais dos exércitos de diversos países da América do Sul, na Escola das Américas, localizada no Panamá. Muitos desses ensinamentos foram levados ao extremo em vários países, durante os anos das ditaduras da Operação Condor.

A Operação Condor foi um plano de inteligência desenhado e coordenado pelos serviços de segurança das ditaduras militares do Brasil, Argentina, Chile, Bolívia, Paraguai e Uruguai, em colaboração com a Agência Central de Inteligência (CIA) dos Estados Unidos, para aniquilar a esquerda opositora entre os Anos 70 e 80. Nos arquivos da Agência Nacional de Segurança (NSA) dos Estados Unidos, ela é mencionada de forma explícita como o nome código de “um acordo de cooperação entre os serviços de inteligências da América do Sul para eliminar as atividades terroristas marxistas na área”.

A Operação Condor deixou um terrível saldo de 50 mil mortos, 30 mil desaparecidos e 855 fossas comuns, além de um número aproximado de 400 mil presos. As denúncias de familiares, associações de defesa dos direitos humanos e personalidades relevantes da luta social levou à criação posterior de uma jurisprudência internacional especial e ao reconhecimento do delito de lesa humanidade de desaparição forçada, perseguido pelo Tribunal Penal Internacional.

Na Argentina, o primeiro caso de desaparição forçada que se conhece é o de Felipe Vallese, militante da Juventude Peronista (JP), delegado sindical e ativista da União Operária Metalúrgica (UOM), que foi sequestrado no dia 23 de agosto de 1962, aos 22 anos, e posteriormente desaparecido. O crime foi cometido por um grupo da Unidade Regional de San Martín a mando de Juan Fiorillo, durante o governo de facto de José María Guido. Também há outros registros prévio à ditadura civil-militar (1976-1983), entre os anos de 1974 e 1975, quando operou a chamada Triple A, uma força conformada por agentes dos serviços de inteligência, militares e policiais.

A Plataforma de Vítimas de Desaparições Forçadas durante o Franquismo, denunciou que foram cerca de 140 mil as vítimas desse crime durante a Guerra Civil Espanhola e a posterior ditadura de Francisco Franco. Nos últimos 11 anos, se exumaram 2 mil corpos localizados em 180 fossas comuns. A Espanha é o segundo país do mundo em número de desaparecidos cujos restos não foram recuperados nem identificados, atrás do Camboja. Também é a única “democracia” que não realizou nenhuma investigação sobre o terrorismo de Estado depois de sua ditadura, apesar das insistentes reclamações da ONU a esse respeito.

Com o antecedente regional dos crimes do regime de Maximiliano Hernández Martínez em El Salvador, em 1932, e os da repressão na Guatemala após a queda de Jacobo Arbenz, entre 1963 e 1966, se calcula que existem hoje entre 40 e 45 mil desaparecidos nestes países – 80% dos quais pertenciam a alguma etnia indígena. As desaparições realizadas pelas forças de segurança estatais continuam a ser rotina em ambos os territórios, segundo o denunciado por várias organizações de direitos humanos.

Em outros países, como o Brasil – através da ação do Serviço Nacional de Inteligência (SNI) –, ou mesmo nos já citados El Salvador e Guatemala – mediante grupos paramilitares como a Organização Democrática Nacional –, também foram cometidos novos crimes que resultaram em desaparições, até meados dos Anos 80. Outros casos também ocorreram no Uruguai, Paraguai, Peru, Bolívia, Colômbia e México.

Mais de 20 mil pessoas desapareceram no Peru entre 1980 e 2000, em especial durante a ditadura de Alberto Fujimori (1990-2000) e o primeiro governo de Alan García (1985-1990), segundo a Direção Geral de Busca de Pessoas Desaparecidas, principalmente no departamento de Ayacucho. De acordo com a Comissão da Verdade do Panamá, numerosos assassinatos e desaparições de opositores se produziram durante a invasão estadunidense de 1989.

Na Colômbia, o principal produtor de cocaína do mundo, graças aos grupos paramilitares e de traficantes, há um saldo de 8 milhões de vítimas entre mortos, desaparecidos e deslocados, em quase seis décadas de conflito armado. O informe do Centro de Memória Histórica documenta mais de 60 mil desaparições forçadas entre 1970 e 2015, mais que todas as ditaduras militares sul-americanas da Operação Condor. Nos piores anos, havia na Colômbia uma desaparição forçada a cada duas horas.

O informe Execuções Extrajudiciais na Colômbia (2002-2010) descreve como o Exército da Colômbia agiu para matar civis sistematicamente, visando “melhorar suas estatísticas de mortos em guerras contra rebeldes”: 10 mil civis foram executados pelo Exército entre 2002 e 2010, mais que o triplo da cifra calculada pelos grupos de direitos humanos, para justificar o apoio militar e o financiamento dos Estados Unidos.

Desde o início da chamada Guerra contra o Narcotráfico, lançada pelo então presidente de México Felipe Calderón (2006-2012), foram denunciados 22 mil casos de desaparições forçadas, os quais se somam aos desaparecidos dos Anos 60, 70 e 80. O atual presidente Enrique Peña Nieto, sucessor de Calderón, manteve a mesma dinâmica de crescimento das estatísticas. O caso mais conhecido durante o seu mandato ocorreu na madrugada de 27 de setembro de 2014, quando estudantes da Escola Normal Rural de Ayotzinapa foram atacados por agentes da polícia municipal, e o resultado foi a morte de 6 pessoas (possíveis testemunhas) e a desaparição dos 43 estudantes.

Outro exemplo: entre 1992 e 1995 na Bósnia-Herzegovina se reportou a desaparição forçada de mais de 30 mil pessoas, parte da estratégia das operações chamadas de “limpeza étnica”. A Comissão Internacional sobre Pessoas Desaparecidas (ICMP, por sua sigla em inglês), realizou quase 11,5 mil identificações baseadas em provas de DNA relacionadas a casos de desaparições forçada durante a Guerra dos Balcãs.

Com o fim de recordar a todas as nações e governos do mundo a existência da realidade dos desaparecidos, a Federação Latino-Americana de Associações de Familiares de Detidos Desaparecidos (Fedefam), declarou o dia 30 de agosto como o Dia Internacional do Detido Desaparecido.

Aram Aharonian. Jornalista e comunicólogo uruguaio, fundador do canal TeleSur. Preside a Fundação para a Integração Latino-Americana (FILA) e dirige o Centro Latino-Americano de Análise Estratégica (CLAE)


*Publicado em estrategia.la | Tradução de Victor Farinelli