A ameaça ao jornalismo permanece, alertam os críticos, após a extradição de Assange ser rejeitada exclusivamente devido ao brutal sistema prisional dos EUA.

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Stella Moris, parceira de Julian Assange, fala à mídia em frente a Old Bailey em 4 de janeiro de 2021 em Londres. (Chris J Ratcliffe/Getty Images)Créditos da foto: Stella Moris, parceira de Julian Assange, fala à mídia em frente a Old Bailey em 4 de janeiro de 2021 em Londres. (Chris J Ratcliffe/Getty Images)

 

Por que uma juíza britânica rejeitou a tentativa do governo Trump de extraditar Julian Assange, apesar de aceitar “virtualmente todas as alegações” que o governo dos Estados Unidos fez contra o fundador do WikiLeaks?

A resposta não está na terrível ameaça que a extradição representaria para a liberdade de imprensa em todo o mundo, mas na abominação perigosa que é o sistema prisional dos Estados Unidos.

Em sua decisão de 132 páginas (pdf) emitida na segunda-feira, a juíza Vanessa Baraitser do Tribunal de Magistrados de Westminster descreveu as condições que Assange enfrentaria nos EUA como “duras”, mesmo em comparação com a notória prisão de segurança máxima de Belmarsh, em Londres, onde o editor é mantido desde abril de 2019.

Depois de rejeitar os argumentos contrários à extradição, apresentados pela equipe jurídica de Assange – incluindo suas advertências de que seria negado um julgamento justo nos EUA ao fundador do WikiLeaks – Baraitser disse que acredita que, se confinado a uma prisão supermax dos EUA, “a saúde mental de Assange iria se deteriorar, fazendo com que ele cometesse suicídio.”

“Confrontada com as condições de isolamento quase total sem os fatores de proteção que limitavam seu risco na [prisão de Sua Majestade] Belmarsh, estou convencida que os procedimentos descritos pelos EUA não impedirão o Sr. Assange de encontrar uma maneira de cometer suicídio”, disse Baraitser, “e por esta razão decidi que a extradição seria opressiva em razão de dano mental e ordeno sua dispensa”.

Como disse o editor-chefe da Shadow Proof, Kevin Gosztola – que vem cobrindo o caso de extradição desde o início: “O sistema de encarceramento em massa do governo dos Estados Unidos acaba de perder o caso contra o fundador do WikiLeaks, Julian Assange”.

Os advogados do governo dos Estados Unidos, que em 2019 acusaram Assange de 17 violações à Lei de Espionagem, disseram que apelarão da decisão de Baraitser, enquanto os advogados de Assange lutam por sua libertação sob fiança. Se extraditado para os Estados Unidos, Assange – cuja saúde declinou vertiginosamente nos últimos meses devido a condições que os médicos classificaram como tortura – enfrentaria até 175 anos em uma prisão de segurança máxima.

O esforço agressivo das autoridades dos EUA para extraditar e punir Assange por publicar documentos confidenciais que expunham crimes de guerra norte-americanos no Iraque e no Afeganistão foi denunciado como uma grande ameaça à liberdade de imprensa em todos os lugares, visto que jornalistas obtêm e relatam regularmente materiais secretos.

Ao mesmo tempo em que sua rejeição, a preocupações com a liberdade de imprensa, soou como um alerta, organizações de grupos de direitos humanos saudaram a decisão de Baraitser contra a extradição como um passo importante para proteger Assange e outros jornalistas em todo o mundo.

“A decisão de hoje é um grande suspiro de alívio para qualquer pessoa que se preocupa com a liberdade de imprensa”, disse Trevor Timm, diretor executivo da Fundação para a Liberdade de Imprensa, em um comunicado. “Embora a opinião da juíza contenha muitas afirmações preocupantes que desconsideram os direitos dos jornalistas, sua rejeição ao pedido de extradição do governo Trump significa que o governo dos EUA provavelmente não será capaz de obter qualquer precedente que criminalize as práticas comuns de coleta e publicação de notícias. E isso é muito bom.”

Depois de se juntar a outros para aplaudir a decisão da juíza de rejeitar o pedido de extradição dos EUA, Rebecca Vincent, da Repórteres Sem Fronteiras, disse que tem “sérias preocupações sobre o conteúdo da sentença”.

“Discordamos da avaliação da juíza de que este caso não tem motivação política, que não se trata de liberdade de expressão”, disse Vincent. “Continuamos a acreditar que o Sr. Assange foi alvo de suas contribuições ao jornalismo e, até que as questões subjacentes aqui sejam abordadas, outras fontes, jornalistas e editores permanecem em risco.”

Em uma coluna para o The Guardian na segunda-feira, Owen Jones escreveu que “não é criticar a validade do julgamento legal de Baraitser argumentar que essa foi a decisão certa, mas pelo motivo errado”.

“O fato de um tribunal britânico ter decidido que o sistema prisional dos EUA é bárbaro demais para garantir a segurança de Assange conta sua própria história. Mas trata-se de algo muito maior do que Assange: é sobre jornalismo, imprensa livre e … a capacidade de expor atrocidades cometidas pela última superpotência remanescente no mundo. ”

“O fato de um tribunal britânico ter decidido que o sistema prisional dos EUA é bárbaro demais para garantir a segurança de Assange conta sua própria história”, acrescentou Jones. “Mas trata-se de algo muito maior do que Assange: é sobre jornalismo, imprensa livre e … a capacidade de expor atrocidades cometidas pela última superpotência remanescente no mundo.”

John Rees, da campanha Don’t Extradite Assange do Reino Unido, disse na segunda-feira que “é um julgamento incrível”, observando que “95% das observações desta juíza apoiaram a acusação”.

“Ela disse que não há defesa do interesse público, não há defesa jornalística, não há defesa de opinião política”, disse Rees. “O único fato que a levou a recusar a extradição foi que o sistema prisional dos Estados Unidos é tão brutal que aumentaria o risco de suicídio, e ela não estava disposta a colocá-lo em um sistema prisional opressor.”

Observando que os EUA vão apelar, Rees argumentou que a decisão de segunda-feira marca “o início da luta, não o fim da luta”.

“Mas é um dia fantástico”, acrescentou Rees. “E se o pedido de fiança – que eles estão discutindo dentro do tribunal neste momento – for aprovado e Julian sair em liberdade, isso será um divisor de águas maravilhoso neste caso.”

Em declarações à mídia na segunda-feira, Stella Moris, parceira de Assange, expressou um sentimento semelhante, chamando a decisão de “o primeiro passo para a justiça neste caso”.

“Enquanto Julian tiver que suportar sofrimento e isolamento como um prisioneiro não condenado na prisão de Belmarsh, e enquanto nossos filhos continuarem a ser privados do amor e do afeto de seu pai, não podemos comemorar”, disse Moris. “Vamos comemorar no dia em que ele voltar para casa.”

“Estamos satisfeitos que o tribunal tenha reconhecido a seriedade e desumanidade do que ele tem suportado e o que ele enfrenta. Mas não vamos esquecer: a acusação nos Estados Unidos não foi retirada”, acrescentou Moris. “Continuam a querer punir Julian e fazê-lo desaparecer no buraco mais profundo e escuro do sistema prisional dos EUA para o resto da vida. Isso não pode acontecer. Jamais aceitaremos que jornalismo seja crime neste país ou em qualquer outro.”

Nils Muiznieks, diretor da Amnistia Internacional para a Europa, em numa declaração na manhã de segunda-feira, disse : “saudamos o fato de Julian Assange não ser enviado aos EUA e que o tribunal reconheceu que, devido aos seus problemas de saúde, ele correria o risco de maus tratos no sistema prisional dos Estados Unidos.”

“Mas as acusações contra ele nunca deveriam ter sido feitas”, disse Muiznieks. “O fato de a decisão ser correta e salvar Assange da extradição não isenta o Reino Unido de ter se envolvido neste processo politicamente motivado a mando dos EUA e de colocar a liberdade de imprensa e de expressão em julgamento. Isso abriu um precedente terrível pelo qual os EUA são responsáveis e o governo do Reino Unido é cúmplice. ”

Jake Johnson

*Publicada originalmente em Common Dreams | Tradução de César Locatelli